Chamamos-lhe “bifinha”. É loira, de olhos azuis, e muito senhora do seu nariz. Nasceu em Londres, no hospital onde trabalho, e nas mãos da minha equipa.

Sou sincera. Quando emigrei, nunca pensei ter coragem de ter um filho fora de Portugal. A ideia de ter um bebé a crescer longe dos avós e restante família (sendo que seria a primeira neta, primeira sobrinha, primeira tudo) era algo que fazia doer o coração. Mas o tempo foi passando, os planos de regressar a Portugal ainda não faziam sentido, e sempre quisemos ser pais novos. Decidimos arriscar, e aconteceu.

Acredito sinceramente que nenhum pai ou mãe sabe realmente p’ro que vai quando decide ter um filho, por mais preparados que se sintam. É um choque de realidade. Nunca mais voltamos a ser os mesmos. Somos arrastados para um turbilhão de emoções que não temos tempo de assimilar, porque de repente deixamos de ser o centro das nossas vidas. E é preciso começar de novo.

Passados dois anos, a verdade é que me sinto orgulhosa do que conseguimos superar. Quantas vezes nos faltou o colo dos nossos pais! Quantas vezes peguei no telemóvel a correr para que os avós e padrinhos não perdessem nenhuma conquista da miúda! Quantas vezes vimos as avós chorar em videochamada com saudades! Quantos presentes recebemos no correio.

Já não bastava a distância e os compromissos a limitar as nossas visitas a Portugal, veio ainda a pandemia, e durante sete meses, e depois mais sete, fomos só nós os 3. Salvaram-nos os vizinhos (e grandes amigos), em momentos de desespero. A creche dela fechou, exatamente quando ela se tinha começado a habituar.

Quando somos uma família emigrante, não podemos estar doentes ao mesmo tempo. Se um já está doente, o outro tenta resistir à cama com todas as forças. Quando um teve um dia de trabalho difícil e precisa de tempo para descontrair, o outro não diz que também precisa (ou diz e arrepende-se logo, porque o outro passa-se). Um passa a noite a pé, para que o outro possa descansar bem para trabalhar no dia seguinte. Um arruma a cozinha, para o outro dar o banho. Um fica a tomar conta, para que o outro possa dormir uma sesta. Um deixa de trabalhar quando a creche fecha, porque o outro recebe mais e não pode comprometer o salário. 

De cada vez que queremos ou precisamos de sair juntos, temos que esperar por receber as visitas da família ou deixá-la com os vizinhos – de quem tentamos sempre não abusar. Durante a pandemia, a miúda ficou sem creche, e fiquei quase um ano sem trabalhar. De alguém que adora o que faz e precisa de trabalhar para ser feliz, passei a mãe a tempo inteiro. Não me interpretem mal, adoro ser mãe, é a melhor parte da minha vida. E sermos pais sozinhos, sem a família por perto, foi uma escolha nossa. Mas passar 24 sobre 24 horas dentro de 4 paredes, durante 9 meses, com um bebé de pouco mais de um ano ávido de explorar o mundo… foi desesperante. 

Não me sinto no direito de me queixar. Foi uma escolha, e o meu pai sempre me ensinou que não podemos ter tudo. Temos saudades e falta de apoio físico, mas não nos falta mais nada. Somos uma família feliz: daquelas que jogam à bola enquanto fazem o jantar, cantam no carro e “montam uma praia” no meio da sala. 

Se questionamos se vale a pena estar aqui? Sem dúvida.

Se pensamos voltar? Todos os dias. 

Se temos medo de voltar para Portugal? Muito. 

Se temos medo de ficar? Também.